quarta-feira, 18 de junho de 2008

Socialização: A Interiorização da Realidade. Cap.III

MOREIRA, Paulo Roberto. Psicologia da Educação interação e identidade. 2 ed. São Paulo: FTD, 1996.

Paulo Roberto Moreira, psicólogo clínico, formado pela Universidade de São Paulo (Ribeirão Preto. 1972). Pedagogo (1973) e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (Depto. de Psicologia do Desenvolvimento).

Fez pós-graduação na Escola de Comunicação e Artes da USP. Sua tese de mestrado “Jung e Direção Teatral” (1989) resumem seu interesse pela integração entre Psicologia e Arte, áreas que compõem seu trabalho em educação e em psicologia clínica. É também ilustrador e artista plástico. Como diretor teatral coordena atualmente o curso de teatro do TUCA (Teatro da Universidade Católica de São Paulo).

O texto tem como foco principal ressaltar que a socialização acontece num processo de interiorização de uma realidade previamente construída, ou seja, onde a família é o primeiro e principal elemento desse processo.

O autor afirma que o sujeito social é resultado de arranjos possíveis e a aceitação é a sua única alternativa. A assimilação do mundo dos pais como real e indiscutível e não como algo pertencente a um contexto. A socialização acontece de forma lenta e gradual por toda a vida sem nos darmos conta de sua existência, ou seja, é construído ao longo do tempo e do espaço. A socialização não é natural, ela é naturalizada. Algo que vem de fora e que sofre influência de agentes ideológicos para a manutenção da condição social.

Assim como o meio externo muda com o tempo, os elementos que interagem na educação também são afetados; temos como exemplo as mudanças que ocorreram na família, pois diferentemente de tempos atrás em que a educação era quase exclusivamente uma tarefa dos pais, hoje é múltipla em seus colaboradores. No entanto, a mesma continua sendo o ponto central para a inserção da pessoa humana no mundo social.

A linguagem torna possível a interiorização dos elementos sociais inerentes a sua classe social. Neste contexto pai e mãe são os principais elementos que contribuem significativamente para a interação do novo indivíduo. Os vínculos são de elevada relevância na sua formação.

O autor observa que, a relação mãe-filho, com a influência do pai para formação de sua individualidade, é de fundamental importância para a interiorização da socialização e, o equilíbrio nesta relação é o que definirá a saúde emocional e consequentemente social do indivíduo. A criança já a partir dos dois meses de vida dá os primeiros sinais de sociabilizacão e tem início a formação de sua identidade com a interação com o mundo por meio de um modelo relacional. Pelo sorriso a criança testa a sua aceitação pelo “mundo” estréia a sua participação na comunicação social. A boca da criança é o elo de vida entre ela e o mundo. É a porta de entrada de alimento e troca mútua de afeto. A comunicação e interação social nascem no seio da mãe. Um ambiente hostil nesta fase tem conseqüências negativas no desenvolvimento intelectual da criança.

O autor ressalta ainda que, a alternância entre presença e ausência da mãe contribui para a formação de sentimentos contraditórios deslocando-a de seu estado de acomodação e impulsionando-a a agir com o meio para a satisfação de suas necessidades. A comunicação com os adultos é fundamental para a sua formação. Como conseqüência a compreensão da liberdade não parte da própria liberdade em si, mas do que não é liberdade. O confronto do sim e do não da a compreensão dos limites da sua individualidade. A liberdade só existe quando a criança percebe os limites de seu convívio social. A socialização é libertadora quando permite a experimentação livre. A afetividade é também um fator de controle social quando no exercício do poder. O sentimento de culpa pode ser um elemento de controle social. Ao aprender a obedecer aos pais a criança aprende a obedecer a todos que parecem ser superiores.

A criança quer ser vista, amada e respeitada. O castigo molda o ser do futuro de acordo com as leis da repressão. Um agravante ao excesso de regras pode ser a ausência destas. A hierarquia, a importância dos limites a possibilidade da experimentação e sua conseqüente avaliação das lições aprendidas compõem a socialização libertadora. A criança busca modelos para construção de sua própria identidade. Assim a pureza de sua moralidade, a fidelidade total aos valores sociais, em algum momento de seu desenvolvimento, entra em choque com o real. Ela se revolta e sente-se traída quando o ideal ao qual foi apresentado e como um objetivo a ser respeitado e preservado não é o que se apresenta na realidade dada pelos agentes socializadores (pais, escola, religião, meios de comunicação, etc.).

Moreira afirma que a integração da família com a escola é o caminho ideal para o educando construa sua individualidade com autonomia num ambiente social saudável.

Ao nascer a criança sofre um forte golpe de rejeição pelo útero. É preciso resgatar o carinho e afeto perdido. É preciso receber, mas também dar algo em troca (sorriso). Todos saem ganhando. O adulto também se socializa, ou melhor a sua sociabilizacão se completa na aprendizagem do cuidar, ou seja, ao receber mesmo que sejam pequenas demonstrações de carinho como resultado de sua doação. O educando e o educador são seres de carência. Existe um acordo não explícito entre ambos. Contratos são celebrados. Pagamentos são ajustados com uma moeda de troca simbólica e imaterial. A necessidade é indiscutivelmente mais emocional do que física. Meses do mais nutritivo manjar não contém mais do que um simples olhar de carinho, que pode transformar uma vida para sempre. A interiorização dos valores dados de forma equilibrada pelos agentes educadores realmente comprometidos com a ética pessoal e social é o que possibilitará o surgimento de, mais do que bons profissionais, de pessoas autônomas, confiantes, éticas e sociavelmente saudáveis.

terça-feira, 17 de junho de 2008

Resenha do Filme - "O Oitavo Dia" de Jaco Van Dormael, 1996.

O filme tem como pano de fundo os desencontros entre pessoas comuns, que repentinamente são obrigadas a compartilhar o seu "mundo normal” com outra “diferente”. O resultado desses encontros inesperados e indesejados são, quase sempre, não muito bem aceitos, causados, principalmente pelo preconceito daqueles que, necessariamente, deveriam ser os principais articuladores de um desenvolvimento harmonioso entre os participantes de uma sociedade que se julga verdadeiramente saudável. Mas, infelizmente, justamente estes, são os que não se encontram preparados.
O relacionamentos com pessoas desse "tipo" não são, na maioria dos casos, planejados ou desejados. No entanto, a possibilidade de tal fato acontecer é algo a ser considerado por todos. O filme de Philippe Godeau mostra isto claramente já nas cenas iniciais, quando o jovem Georges, portador de SD, e Harry, um homem aparentemente comum, mas, terrivelmente obsecado por seu trabalho, envolvem-se em um acidente e, se não fosse por este fato, jamais teriam seus caminhos cruzados e alterados para sempre.
Pessoas como Georges não entram na vida das pessoas normalmente. Elas, os "especiais" entram quase sempre por “acidente”,e com Harry não foi diferente. Georges entra em sua vida, literalmente, por um acidente. A natureza, na maioria dos casos, sempre é a grande vilã! Mas, não para Harry, a sua distração do frio mundo real é fator de nascimento de seu "especial".
A pessoa considera “normal” é sempre a condutora, aquela que dirige e traça a linha “reta” da estrada da vida. Georges, pelo contrário, é aquele que cruza o caminho sem ser chamado, é o desastrado que faz com que as pessoas refaçam seus planos e mudem de direção. Georges é a “pedra” no caminho. Ele não provoca o acidente, ele é o próprio “acidente”. E depois desse “acontecimento” não há como alterá-lo. Apesar de existirem pessoas que tem a coragem de dar meia volta e seguir seu caminho tentando esquecer o “acidente”. (Infelizmente não são poucos os casos daqueles que abandonam seus “especiais”). Harry, o personagem “normal” após quase atropelar Georges não foge a sua responsabilidade e tenta dirimir sua falta oferecendo uma carona a sua quase “vítima”. É interessante notar que as pessoas "normais" estão sempre a oferecer “carona” àqueles pobres necessitados, porém, o que não conseguem perceber é que os desejos dos “especiais” são bem simples e poucos. O que eles querem, na verdade, não é uma carona, algo momentâneo, como na cena inicial do filme, mas uma companhia, um ombro amigo. Alguém para seguirem juntos à grande e maravilhosa viagem da vida. Georges afeiçoa-se já no primeiro momento por Harry e com isto parece não querer facilitar a localização da casa da irmã. A atenção, o cuidado podem significar carinho, e isto faz parte da pequena lista de desejos do nosso pobre Georges.
Harry é bem intencionado e prestativo, no entanto, a presença e o comportamento incomum de Georges, além do peso da responsabilidade por tal pessoa, começam a incomodá-lo. Isto faz crescer também o desejo de se ver livre o mais rápido possível daquele “peso”. Quantos não vêem assim todos aqueles que têm alguma necessidade especial, principalmente, a mental. O que Harry não percebe, ao primeiro momento, que o rapaz é também um fugitivo, mas no caso deste, a fuga é de uma instituição que abriga pessoas com SD, e o nosso caro desajeitado Geoges está decidido a não mais retornar àquele local.
“Diferentes” aos olhos de “diferentes” são iguais. Porém, a instituição em que Georges vive não é controlada por um “igual”. Os “iguais”, ou melhor, os "normais" são os que possuem o controle e autoridade sobre todos os “diferentes”. A vida é regida e ditada pelos “normais”, e só existe espaço para alguma liberdade dentro dos limites do prédio. Não existe espaço para o erro, ou melhor, para a opção de escolha. O pensamento e vontades dos “diferentes” são marginalizados e, portanto, devem ser controlados e, até mesmo suprimidos. (Cena em que George e sua namorada fazem amor no trailer do parque, só foi possível porque estavam fora de sua “prisão”).
O sanatório significa isolamento, prisão, controle de suas vontades e principalmente o afastamento daqueles que tem algum significado em suas vidas. (cena em que encontra a irmã e implora a ela que o aceite em sua casa).
Georges nasceu e cresceu em uma redoma protetora construída por sua mãe, que o protegia e ao mesmo tempo o isolava dos perigos do mundo. (certamente, porque o amava muito e, talzez, desejasse protege-lo do perigo maior; o preconceito). Porém, como as fantasias são frágeis e com o tempo, inevitavelmente , desbotam, rasgam-se ou quebram-se, ou seja, suas existências são tão efêmeras quanto a vida. A perda da mãe causou uma ruptura com a fantasia com seu mundo seguro, onde, mais do que “pão”, recebia alimento para a sua alma, o carinho e amor de sua mãe, pois havia alguém que verdadeiramente o amava. (Cena marcante, em que aparece por diversas vezes, Georges lembra-se de sua mãe penteando carinhosamente seus cabelos). Georges não está à procura de um teto e conforto material, ele está em busca do seu paraíso e amor perdidos.
Harry é também um fugitivo de seu mundo extremamente racional em que os valores foram invertidos, e que ele toma consciência disto um pouco tarde. (cena em que esquece as filhas na estação, ao dar mais prioridade ao seu trabalho do que a família). Harry é o representante da racionalidade e Georges o da irracionalidade, nada poderia ser mais antagônico. Harry vê Georges como representante de tudo àquilo que ele não aceita em seu mundo. O sentimento acerbado, a imprevisibilidade, a falta de compromisso, a liberdade, a irracionalidade, a não delimitação de fronteiras, a franqueza, o não consumismo e a preocupação única com o presente. Georges não chora o passado, nem se preocupa com o futuro. Por tudo isso Harry nos primeiros momentos sente a necessidade de afastar-se de Georges o mais rápido possível. Cena em Harry o abandona numa encruzilhada. Colocando Georges numa situação inusitada; escolher e seguir por um dos quatro caminhos exatamente iguais. A cena é bem emblemática, pois sua pouca razão e mente fortemente pragmática não lhe permite fazer tal proeza de escolha. A sua pouca lógica só lhe permite seguir por caminhos já construidos. Felizmente Harry volta atrás e o resgata daquele "inferno" em que fora abandonado.
O convívio forçado dá tempo e oportunidade para Georges mostrar a harry algumas belezas que a racionalidade dos "normais" não lhes permitem enxerguar. Harry tem seus seus olhos abertos para uma nova possibilidade que até então nunca havia experimentado, ou imaginado que pudesse existir. Começa também a colocar em xeque a sua própria racionalidade e seu modo de vida. O mundo após Georges já não é o mesmo, um novo caminho passa a existir. Harry é capaz agora de entrega-se a comportamentos que até então seriam impensáveis, e seriam consideradas realmente “loucuras”. Invadir um parque de diversões e passar a noite no mesmo, ou fazer um show pirotécnico para comemorar o aniversário da filha.
Porém, como nem tudo na vida não são flores, e o filme de Godeau é um filme de “Amor”, e como todo bom filme de amor, O desfecho é dramático, porém, ao mesmo tempo, poético.
Na mesma proporção em que Harry ganha um novo mundo, mais colorido, mais alegre e mais cheio de vida; ou melhor, uma nova racionalidade “irracional” toma-lhe o ser, e o faz mais feliz. Georges, porém, após tentativas em ter o seu velho mundo de volta. Fracassa e, diante da encruzilhada da vida, a única coisa que consegue é ser contaminado pela “racionalidade” do mundo, o que o faz agir como uma "pessoa normal", ou seja, não agir “irracionalmente”, como é de seu costume. A racionalidade fria e fatalista dos "normais" toma-lhe o ser, e o faz tomar uma decisão final e inusitada para sua pouca racionalidade. Cria em sua mente o único caminho possível. Se o fim da existência é o começo de outra em que todos se reencontram,e se seu “Amor” foi para aquele caminho,então, é para lá que deve seguir para reencontrá-lo. Assim, e enfim, feliz nos braços de sua mãe desiste desta vida racional sem amor.

Hegel e o Determinismo da História

Hegel e o Determinismo da História

“O estudo da história universal resultou e deve resultar em que nela tudo aconteceu racionalmente, que ela foi a marcha racional e necessária do espírito universal.” –Historia da Filosofia – Hegel pág. 18.
Espírito cuja natureza é sempre idêntica – a razão não deve adormecer. Deve se utilizar à reflexão. “Quem observar o mundo racionalmente, também será visto da mesma forma.” – Idem pág. 18.
Hegel afirma que os homens não fazem a relação da história com Deus – a substância com força infinita em que tudo estaria sujeito, menos a “razão” que se nutre de si mesma e não necessita de objetos externos para se realizar, “é o ato puro, é o objetivo final absoluto, que faz passar do interior para o exterior”.
“O mundo da inteligência e da vontade não estão entregues ao acaso e que razão está na história.”
Hegel afirma que há uma razão superior que governa não só o mundo, mas todo o universo; para demonstrar isto ele cita como exemplo as leis da física, que são imutáveis e eternas e, por exemplo, os planetas e astros seguem as leis da gravidade e, no entanto não tem consciência deste fato. Assim como o homem que também esta sujeito as mesmas leis e não pode fugir destas mesmas tendo consciência delas. Hegel apresenta aqui sua posição mecanicista do mundo ao colocar num mesmo plano a realidade material e o lado da subjetividade humana.
A razão governa o mundo, mas está ligada a uma outra realidade superior que conhecemos na forma de realidade religiosa. O mundo não está ao acaso. Mesmo que não entendamos. A razão nos leva por meio da liberdade a um objetivo determinado pela razão. Temos que entender aqui a razão algo como transcendente ao homem, mas que o intelecto é inerente ao homem, a razão não. A razão é o espírito do Ser infinito que guia o homem como a gravidade guia os planetas e o homem não é capaz de perceber esta força. “Se a providência se manifesta em objetos e animais, por que não na história universal?”.
A natureza se realiza num plano especial e próprio a esta com suas leis e estados, mas somente com relação ao espírito. E na historia universal que este espírito se realiza alcançando sua forma mais completa no Estado.

O Problema da Liberdade

Assim como a substancia da matéria é o peso, a essência do espírito é a liberdade. “A liberdade é a única verdade do espírito.” O peso é inerente a matéria assim como a liberdade é ao espírito. A matéria é composta e procura seu ideal superando-se em busca de sua unidade que é seu contrário e se a mesma encontra-la já não seria mais matéria, teria desaparecido, a matéria tende ao ideal (realização Platônica) o espírito não, o espírito é em si mesmo, e algo que é por si mesmo é a própria liberdade. “A matéria tem a sua substancia fora de si; o espírito é o ser por si mesmo”. Ou seja, a própria liberdade.
Mas a liberdade esta no mundo e qual o objetivo do universo? A história universal esta no campo espiritual. O mundo compreende a natureza física e a psíquica. A natureza física intervem na historia universal. Porém é o espírito e o desenvolvimento deste o essencial, ou seja, o que realmente importa. Para Hegel a natureza é um objeto da razão e é no decurso da história universal que o espírito se realiza e pode se afirmar. (sua realidade mais concreta). O que temos como unicamente verdadeiro no espírito é a liberdade. A autoconsciência é a liberdade. A consciência de si, do mundo e de suas leis, e principalmente a consciência de uma razão superior a que estamos sujeitos e desconhecêssemos os seus objetivos finais assim a “historia universal é o progresso na consciência da liberdade com o mundo físico subordinado ao espírito.” E este o mundo físico não tem nenhuma verdade em relação ao espiritual a não ser com relação a si próprio. O mundo é matéria e esta não tem em si a essência e esta não se mostra a si própria e seu conhecer se da pelo seu objeto – a matéria – o seu contraponto, a dualidade é a sua principal característica, ou seja, não se mostra por inteiro, só a conhecemos pela superfície. O seu fim maior tende alcançar a idealidade, mas caso isto aconteça à mesma deixaria de existir, ou melhor, alcançaria a liberdade, pois já não seria matéria, mas espírito em estado de consciência, pois segundo Hegel liberdade é conhecimento de si e isto é a única finalidade do espírito. A historia universal tende para este fim, como próprio Hegel coloca todos os sacrifícios que foram colocados no amplo altar da terra foram para este objetivo. É o único objetivo imutável entre os outros sobre a terra, o único objetivo que se cumpre e que se realiza, a verdadeira força atuante, e isto é o que Deus quer do mundo. Hegel ainda coloca que Deus é a própria perfeição e sendo assim ele não pode desejar nada mais nada menos que a si mesmo, ou a sua própria vontade, a sua própria natureza e, é o que chamamos de idéia de liberdade. Ou ainda para Hegel a liberdade esta em Deus e não sua vontade e que a mesma se coincide com a nossa sem nos darmos conta deste fato. A nossa razão segue-nos nos mesmos passos, direcionados por esta razão em plena liberdade na vontade de Deus.

Religião em Hume

Religião em Hume
(1711 – 1776)



As paixões são impressões que originam de outras percepções e são naturais da natureza humana e independente da razão, e assim para Hume a vontade não é determinada pela razão e sim pelas paixões. Disto conclui-se que, a moral e a religião não se fundam na razão. Os sentimentos são os elementos condutores destes. Hume entende que moral aflora paixões e esta é promotora de ações ou não. Daí ele concluir que a moral nasce do sentimento e não da razão, assim como a religião tem como origem do Divino a idéia que nasce do temor da morte, ou seja, derivado do sentimento. Resumindo a religião e a moral tem como fundamento o sentimento. A razão seria para estas apenas um orientador e estaria a serviço destas. E que sentimento seria este que originaria a moral. A resposta é o prazer. Não um prazer qualquer, mas o prazer que sentimos ao agir com virtude, ou presenciar a virtude. Ou o desprazer ao presenciar ao agir não virtuosamente. E por fim, a ética de Hume tem como base a utilidade das ações, não de forma particular, mas aquela que inclui toda a sociedade. A ética de Hume é utilitarista, ele vê do ponto de vista pragmático, se é útil não de forma individualista, mas para todos sem exceção. Podemos fazer certa similaridade com a ética de Aristóteles, em sua “Ética a Nicômaco” quando ele afirma que só pode existir uma ética quando todos os cidadões agem de com uma moral que vai de encontro ao interesse de toda a polis.
Mas voltando a Hume, mesmo ele tendo escrito um livro com o título de A História Natural da Religião, em que ele apresenta uma teoria das origens das religiões e discute neste livro vários aspectos sociais, psicológico e outros, os quais fazem com que a maioria das pessoas aceite uma condição religiosa, sua intenção com o estudo da religião era definir em termos de uma crítica filosófica às principais tentativas feitas nos séculos anteriores em se mostrar racionalmente a doutrina crista.
A religião para Hume não tem fundamento racional. Ele recusa todas as provas apresentadas pelos teólogos para comprovação da existência de Deus. A estas ele considerou no máximo como plausíveis e ainda coloca que não existe consistência na ligação entre religião e a ética. A religião é instintiva, a mesma nasceu do medo da morte que assim cria o divino. A ignorância é a mãe da devoção. Apesar de seu ceticismo, Hume afirma que uma sociedade sem religião se aproxima de animais irracionais.
Hume mostra que os milagres não têm algo de convincente. Nada ainda já violou a lei da causalidade. E que o maior milagre não seria o milagre em si, mas a prova daquele milagre. Os milagres seriam fatos fantasiosos de alguém que possivelmente não quis mentir, mas de alguém que não fez a devida verificação do que ocorreu, o mesmo pode-se dizer daquele que ouviu o relato e não fez o mesmo. Ele afirma que “nenhum testemunho é suficientemente forte para estabelecer a ocorrência de um milagre”.
Por fim a questão do mal em que ele associa com a existência de Deus. Ele coloca nestes termos: Se Deus é onisciente, onipotente, e sumamente bom, então este ser tem consciência do mal e sabe como eliminá-lo do mundo, e ainda, este Deus é infinitamente bom sabe e deseja eliminar todo o sofrimento do mundo. Então se Deus existe não há mal no mundo. Mas no mundo há mal e sofrimento, então Deus não existe.
Os argumentos de Hume são plausíveis, no entanto, pois oferecem uma posição que até aquele momento ninguém o fizera. Colocar de forma racional e lógica as argumentações a respeito da religião e da existência de Deus. Hume, no entanto, não considera a própria dualidade do mundo em que estamos inseridos, a existência de algo neste mundo pressupõe o seu oposto, o que a justifica, por exemplo, o frio da sentido ao calor, à noite ao dia, o medo à coragem, o amor ao ódio e assim temos uma longa lista aqui sem fim. O nosso próprio pensamento é montado nesta estrutura e não existiria se não fossem os contra-sensos do mundo. O próprio entendimento seria impossível sem os mesmos. Assim o próprio entendimento de Deus não seria possível fora desta dualidade e mesmo impossível dentro desta dualidade.

O Problema da Corrupção

O problema da corrupção
Referência: Baudrillard e outros

Gerson Pereira de Araújo Sobrinho*


Resumo

O texto mostra as implicações Filosóficas do problema da corrupção e do mal na compreensão do homem social e, tenta mostrar, ainda, que o caráter da corrupção é bem mais complexo do que parece, quando visto ao simples olhar do senso comum.



De acordo com o dicionário Aurélio; corrupção ou corrução é o ato de corromper decomposição, putrefação ou devassidão, depravação, perversão, ou ainda; suborno ou peita.
Nicola Abbagno em seu dicionário de Filosofia comenta Aristóteles e afirma que a mesma constitui, juntamente com o seu oposto, a geração, a atualidade de uma das quatro espécies de movimento, mais especialmente, do movimento substancial, em virtude do qual a substância se gera ou se destrói. “A corrupção”, diz Aristóteles, “é uma mudança que vai de algo ao não-ser desse algo; é absoluta quando vai da substância ao não-ser da substância, especifica quando vai para a especificação oposta”. (Fís., V, 225 a 17).
E ainda, no dicionário de política de Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino, editado pela editora da UNB, apresenta o termo corrupção que designa o fenômeno pelo qual um funcionário público é levado a agir de modo diverso dos padrões normativos do sistema, favorecendo interesses particulares em troco de recompensa. Corrupção é, portanto, o comportamento ilegal de quem desempenha um papel na estrutura estadual.
De acordo, ainda, com este dicionário, podemos distinguir três tipos de corrupção: a prática da peita ou uso da recompensa escondida para mudar a seu favor o sentir de um funcionário público; o nepotismo ou a concessão de empregos ou contratos públicos baseados, não no mérito, mas nas relações de parentela; o peculato por desvio ou apropriação e destinação de fundos públicos ao uso privado.
Segundo Norberto Bobbio (1992):
“A corrupção é uma forma particular de exercer influência ilícita, ilegal e ilegítima. Amolda-se ao funcionamento de um sistema, em particular ao modo como se tomam as decisões. A primeira consideração diz respeito ao âmbito da institucionalização, tanto maiores serão as possibilidades do comportamento corrupto. Por isso, a ampliação do setor público em relação ao privado provoca o aumento das possibilidades de corrupção. Mas não é só a amplitude do setor público que influi nessas possibilidades; também, o ritmo com que ele se expande. Em ambientes estavelmente institucionalizados o comportamento corrupto tende a ser menos freqüente. No entanto a corrupção não está ligada apenas ao grau de institucionalização, à amplitude do setor público e ao ritmo das mudanças sociais; está também relacionada com a cultura das elites e das massas. Depende da percepção que tende a variar no tempo e no espaço.” (Norberto bobbio, 1992).
Complementando o pensamento de Bobbio, Baudrillard (1997) afirma:
“Não terminaríamos nunca de procurar as raízes da corrupção. Insondável, esta é sem dúvida consubstancial ao funcionamento social. Mas ao menos a luta anticorrupção evoca o seu espectro e oferece-nos o espetáculo. Ora, o espetáculo da corrupção é uma função vital da democracia: função de divertimento, função pedagógica, função catártica. Mas não desperta amargura profunda, ou então a revolta se faria ouvir em permanência. A corrupção não desperta, no fundo, indignação coletiva (mas claro é cuidadosamente filtrada pela mídia), nem essa verdadeira ajuda à corrupção constituída pela lei de anistia em esboço (reflexo dessa que generosamente se concederam os deputados); essa verdadeira infâmia não provoca o protesto esperado da opinião publica democrática”.
A corrupção como desvio de comportamento na esfera política deve ser condenada em todos os seus aspectos. E a sua análise merecedora de toda nossa atenção. Onde estaria a origem desse comportamento? – É natural ao homem, ou surge com a sociedade? – O viciado em drogas, por exemplo, corrompe a sua consciência ao utilizar substâncias que alteram a sua percepção da realidade. E o homem que utiliza de medicamentos para o aumento de potencia sexual, não estaria corrompendo o seu estado biológico natural? E a mulher que se utiliza de pinturas e maquiagens não estaria corrompendo a beleza natural? Não seriam semelhantes ao atleta que se utiliza de drogas para melhorar seu desempenho, não estariam sendo, também, todos corruptos?
Seriam todos os homens, de algum modo, insatisfeitos física e espiritualmente? Desta forma a corrupção surgiria como compensação das suas fraquezas que os colocariam acima de seus pares? No caso das drogas que afetam a mente, como conseqüência, os seus usuários não ficariam numa condição superior nem inferior ao de outras pessoas, mas, em um estado limítrofe, ou seja, colocar-se-iam fora deste contexto em que não seriam atores, nem espectadores de uma realidade externa, mas interna. Mesmo que para isto tenham que pagar um preço alto por seus desejos de fuga. Ironicamente, o seu processo de destruição alimentaria outro corrupto e, talvez, um dos piores; o traficante de drogas.
Estranho como a destruição de um pode gerar a construção de outro. A corrupção mental de um gera a corrupção material de outro. Ou teríamos um único caso de corrupção, que se estenderia desde o plantio até as mãos do viciado. Todos seriam corruptos.
Hobbes (1651) afirma que os homens são naturalmente maus, e que necessitam de um controle para que não destruam uns aos outros. A proteção e segurança dada pelo Estado é que asseguraria a existência aos homens, e daria fim a todas possíveis ameaças a integridade destes.
Ainda com relação ao pensamento de Hobbes (1651), atualmente, o Estado não estaria cumprindo a sua parte do contrato ao permitir tão impunemente tantas ocorrências de corrupção, e que a existência do súdito seja ameaçada? Ou seriam estes fatos nada mais que a natureza má do homem se manifestando em todas as suas esferas, e que não fora ainda devidamente controlada? Ou então, não seria o soberano a dar o exemplo, e assim transmitir segurança aos seus “súditos”. A estabilidade do Estado não poderia ser ameaçada com a perda desta credibilidade? Não pareceria ao homem do povo que este estivesse trabalhando para o enriquecimento de ladrões. Baudriallard afirma que estes fatos não passariam de atos no grande circo do Estado, e que o povo não faria mais do que se divertir com tais acontecimentos.
Rousseau (1774), ao contrário de Hobbes, afirma que o homem é naturalmente bom e a sociedade é o que o corrompe. Isto significaria que homens bons jamais poderiam se juntar, pois assim tornar-se-iam maus. A questão aqui levantada não seria a sociedade formada por homens? E não seria a corrupção da sociedade um reflexo do mal que se esconde na alma do homem? Ou esse organismo, criado pelos homens, chamado sociedade, teria corpo e mente e, essa em sua “maldade natural” seria capaz de corromper os homens, levando-os a agir egoisticamente em detrimento de outros. A culpa estaria nesse “monstro vivo – a sociedade”, que então deveria ser tratada, ou até mesmo eliminada para que não contaminasse com a doença da maldade os “homens bons”. Ou será que a maldade seria externa aos homens, e sua origem distante no tempo? A “maçã” poderia ser a grande culpada, ou ainda, poderia ser a serpente que teria enganado a mulher e esta por sua vez, teria convencido o homem a praticar ato prazeroso, mas ilícito, de degustar da fruta do conhecimento? Com esse ato, homem e mulher teriam sido “premiados” ou “amaldiçoados” com a consciência plena de suas existências? Condenados ou não, por este ato, o que importa é que o resultado desse ato foi que, não só o conhecimento do bem e do mal foi impregnado em suas almas, mas o próprio bem e mal foram incorporados as suas almas. Pois, diferentemente da consciência de elementos que podem ser conhecidos empiricamente, como por exemplo: frio e calor, que se apresentam onticamente e podem assim serem resgatados por nossas sensações, os elementos da pura sensibilidade, pois, assim como os nossos sentimentos, as nossas perfeições e imperfeições que acreditamos serem externos a nós estejam incorporadas em nossas almas, pois, só assim há possibilidade de realmente serem compreendidos.
O primeiro ato de corrupção que temos notícia é o que está registrado no livro sagrado judaico-cristão, ao que sabemos foi livre e consciente. Nunca houve inocência, nem mesmo no paraíso. Pois só assim admitir-se-ia a legitimidade da culpa e da punição como conseqüência daquele ato. Pois como não temos consciência plena, necessitaremos sempre do não ser para compreendermos o ser. Necessitamos do silêncio para compreendermos o som; do frio para compreendemos o calor, e do mal para compreendermos o bem. E no caso de elementos do puro entendimento não digo que necessitamos destes como algo distante e meramente um objeto puramente cognoscente, mas como algo real e presente. É necessário que ele seja parte integrante de nosso ser, assim como é o bem.
A corrupção está presente no ente e no ser do homem, ou melhor, a corrupção é parte integrante da existência do homem. A corrupção é elemento constitutivo do “tanathus” e, com o “Eros” equilibrariam e dariam sentido a existência. Seria totalmente incompreensível um mundo que só houvesse a construção. A vida e a existência só podem ser compreendidas com a presença “amiga” dos seus antagônicos. A corrupção em sentido material é mudança, transformação ou alteração. O social também parece seguir o mesmo destino. A matéria transforma-se pelo “calor” de forças externas ou internas. Na matéria social também surgem forças que tendem a destruí-la, ou transformá-la.


Aristóteles afirma que os seres são em potencial em sua condição física. Contudo, afirmo existir também uma condição potencial cognoscente e espiritual, e para isto, o homem deve já ser possuidor, desde o seu surgimento, de todos os elementos para que o mesmo possa se realizar em ato. Elementos de construção e desconstrução, pois sem esses, não seria possível qualquer transformação na sociedade.
Assim, a corrupção na esfera política mostra de certa forma, desequilíbrio de ordem natural e, representa um sintoma de uma sociedade concentrada e que acaba por criar elementos “instáveis e desaglutinadores” que acabarão por transformá-la em período de tempo determinado pela quantidade desses elementos disseminados na sociedade.



* Graduando em Filosofia, Instituto de Ensino Superior do Centro Oeste – IESCO.


Referências:

Baudrillard, Jean. Tela Total: Mitos-ironias da era do virtual e da imagem/ Jean Baudrillard; tradução de Juremir Machado da Silva. – Porto Alegre: Sulina, 1997.


Hobbes, Thomas. Leviatã: ou a matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e civil. / Thomas Hobbes; tradução de Alex Marins. – São Paulo. SP: ed. Martin Claret, 2003.


Rousseau, Jean Jacques, 1712-1778. Do contrato social; tradução de Lourdes Santos Machado; - 5 ed. – São Paulo – SP: Nova Cultural, 1991. – (Os pensadores; 6)


Bobbio, Norberto, 1909-. Dicionário de política / Norberto Bobbio, Nicola Mateucci e Gianfranco Pasquino; tradução de João Ferreira. 4 ed./ Brasília, DF: Editora Universidade de Brasília, 1992.


Abbagnano, Nicola, 1901-. Dicionário de Filosofia/ Nicola Abbagnano; tradução de Alfredo Bosi. – 2 ed. – São Paulo, SP: Martins Fontes, 1998.

Ferreira, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa. – Rio de Janeiro, RJ: Editora Nova Fronteira S/A, 1983.

A Questão da Verdade

De acordo com o dicionário Filosófico de Danilo Marcondes e Hilton Japiassu; a verdade trata-se apenas da adequação do intelecto ao real e então podemos afirmar que a verdade é uma propriedade dos juízos e estes podem ser verdadeiros ou falsos e dependendo da correspondência entre os que afirmam ou negam e a realidade de que falam, ou ainda pode ser o que diz o consenso entre os indivíduos.
E ainda com o dicionário de Filosofia de Nicola Abbagno, podemos ter 5 conceitos de verdade. Verdade como correspondência, como revelação, como conformidade, como coerência e utilidade.
Na obra de Nietsche, “Para além de Bem e Mal”, ele faz uma crítica a modernidade. O autor coloca em cheque as verdades objetivas, ou seja, na crença da razão pura e bem em si. Derrubando as frágeis bases de idéias supostamente inabaláveis. Para isto ele afirma que todo conhecimento se faz a partir de uma perspectiva e completa que este perspectivismo seja unicamente resultado de interpretações. O objetivo de Nietsche é combater o dogmatismo, no entanto isto não o faz um cético, apesar de o cético ser mais autêntico, para ele o cético é um aliado, mas não uma posição que se deva tomar, pois o mesmo é o outro lado da moeda do dogmatismo, enquanto o dogmático jamais alcança a verdade. O cético não critica o valor de verdade. O cético agarra-se a ela como valor.
Para Nietsche a verdade é produto de afecções morais pelas condições pessoais humanas, demasiado humanas. Só teremos a verdade se a força da sensibilidade for neutralizada das inclinações, impulsos, afetos, etc., ou seja, colocá-la sob o mais rigoroso controle do intelecto. Isto é uma forte crítica a Kant, pois o mesmo não faz referência à condição humana da sensibilidade, que na verdade não é pura, e sim carregada de valores humanos de acordo com Nietzsche.
Para Nietsche o pior erro que poderia ter acontecido foi à invenção por parte de Platão do bem-em-si e do espírito puro, pois com isto foi perdido tempo na busca de algo que não existe – a objetividade e deixamos de buscar o que há de mais belo: a subjetividade humana. É belo porque é aberto, e não fechado como a objetividade. Por isto mesmo, ele a compara com uma mulher. Desejada pelos homens, enigmática e símbolo da dissimulação, e para possuí-la é necessário todo um jogo de sedução. E mesmo após a sua rendição, o homem jamais poderá afirmar a objetividade da mesma. Pois para isto seria necessária a inversão de papéis, o que é impossível, assim a verdade é uma condição moral e completamente resultante da nossa subjetividade.
Isto é uma dura crítica a moral Kantiana e também ao cristianismo. Pois para ele tudo não passaria de uma submissão a vontade da verdade, ou um desejo da vontade da verdade, ou melhor, poderíamos desejar a verdade, mas jamais alcançá-la.
Nietzsche põe em situação embaraçosa a lógica tradicional ao colocar a condição moral ao valor de verdade, ou seja, perguntando qual seria o valor da vontade de verdade, ou melhor, ele com isto resgata o verdadeiro condicionador do valor de verdade. O resultado desta seria condicionado pela condição moral. A equação cai desta forma de seu pedestal e os olhos se voltariam unicamente para o sujeito, com sua subjetividade e condição moral como os verdadeiros condicionadores do resultado da equação, ou melhor, do valor de verdade. Neste sentido, Nietzsche assemelha-se a Sócrates, retornando ao homem os olhos para o entendimento do mundo. Para Nietzsche nunca houve a verdade, e sim a vontade de verdade. E após ele o que temos agora é a nossa subjetividade condicionada pela nossa moral determinando uma verdade, e não a verdade. Não haveria verdade universal, mas unicamente verdades particulares. Desta forma Nietzsche parece querer resgatar a subjetividade sofistica, pois suas afirmações fazem lembrar uma frase famosa de Protágoras; “O homem é a medida de todas as coisas.” Com isto então não teríamos que buscar a verdade fora de nós mesmos, a verdade seria unicamente e exclusivamente um produto humano. o homem seria o seu grande criador. Colocar a verdade em alto grau de subjetividade é temerário, pois abre margem a afirmações altamente questionáveis, ou até pueris, como por exemplo; poderíamos afirmar que até mesmo somos a razão de nós mesmos, e outras. O mundo seria algo inalcançável pela razão humana. Estaríamos sempre em desvantagem na luta contra o mundo. Este seria sempre o nosso maior inimigo. Algo que não se mostraria e que jamais descobríamos seus verdadeiros segredos. A nossa felicidade estaria nas aparências da superfície que o mundo, por piedade, no pouco que este permitisse que nos fosse revelado. Nietzsche, então, crê na verdade então como revelação. Não numa revelação transcendente, mas interna ao homem, numa revelação cognoscente, meramente intuitiva, se isto é possível, que surge e acaba com o homem. Teríamos então as melhores respostas no campo psicológico e não no Filosófico, seria a exaltação da psicologia, a sua redenção afinal, a libertação total da psicologia da filosofia. A partir disto a psicologia pode até ter um lugar de predileção ao tomar o lugar que sempre fora da Filosofia.
A verdade não é ilusória, pois assim seriam também todo o conhecimento humano, e com ela também a própria Filosofia. Os nossos sentidos básicos dão-nos a percepção e a nossa razão o conhecimento e o entendimento do mundo, pelo menos, o mínimo necessário para que não tropecemos, e não entremos em contradição. Aquela pedra é uma pedra, é algo que meu intelecto aceita como pedra, e é universalmente aceita como pedra. Não importa que um gênio maligno* faça-nos acreditar, mesmo não sendo. A verdade é ainda concordância em nosso melhor mundo possível**. Não andamos tateando ou em eternas tentativas. Ainda que a ciência faça experiências, a prova mais forte e contundente desta realidade e a própria garantia de manutenção da existência. A evidência verdadeira da perda da existência é garantia da verdade útil do cuidado. Cuidado que podemos traduzir também por verdade. Mesmo que não exista uma concordância plena entre o sujeito e o mundo; pois a própria revelação da delimitação ontológica e ôntica nos permite afirmar algo de verdadeiro. Existe algo, e mesmo que não seja de grau absoluto, tem seu valor de verdade inegável. E ainda que fosse refutada esta verdade, teríamos a mentira que não poderia ser negada, em razão de esta tornar-se verdade, ou seja teríamos a verdade do valor de verdade. O valor falso deve ser necessariamente verdadeiro em sua falsidade. Pois do contrario teríamos um valor falso que é falso em sua essência, e que desta forma tornar-se-ia verdadeiro.
Mas voltando a crença exacerbada no dogmatismo da subjetividade humana de Nietzsche, acredito que poderíamos determinar um índice de verdade evolutivo. Seres contingentes teriam índices de percepção da verdade de acordo com seu grau de evolução. Com isto também poderíamos contrabalancear entre a objetividade do mundo e a nossa subjetividade determinando também índices a nossas verdades; como por exemplo: o nosso conhecimento sobre a órbita dos planetas poderia receber um grau quatro, numa escala de um a cinco, pois a verdade que temos desse conhecimento nos permitiu até o lançamento de naves a estes astros com precisão quase absoluta. E ainda poderíamos dar um grau 2 de verdade ao conhecimento que temos sobre o magnetismo e a gravidade, pois até agora o conhecimento que temos sobre estas forças é mínimo, conhecemos praticamente só sobre os seus efeitos e nada sobre como surgem e de que são feitos. Estas verdades não teriam o seu valor de verdade alterado unicamente por receberem um grau de valor, teriam unicamente uma pontuação objetiva em um determinado grau de evolução sobre aquela verdade dada por nossa subjetividade naquele dado momento de nosso estágio evolutivo.
Então acrescentaria a lista de conceitos de verdade; a verdade como evolução. O homem se aproximaria da verdade a partir do momento que este realmente fosse evoluído, ou pelos menos começasse a se preocupar em realmente evoluir. Buscando uma evolução ontológica, ou seja, autêntica e de mãos dadas com a Filosofia.

*Descartes,René. O Discurso do Método.


Referências:
Reale, Giovanni. História da Filosofia: Do Romantismo até nossos dias/ Giovanni Reale, Dario Antiseri; - São Paulo: 1991, - (Coleção Filosofia) – v.3.Do Romantismo até nossos dias.

Mosé, Viviane. Nietzsche e a grande política da linguagem / Viviane Mosé. – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.

Nietzsche, Friendrich Wilhelm. Acerca da verdade e da mentira; O Anticristo / Nietzsche; (tradução Heloisa da Graça Burati). – São Paulo: Rideel, 2005. – (Biblioteca Clássica).

Café Philo: as grandes indagações da filosofia / (editado por) Lê Nouvel Observateur; tradução, Procópio Abreu; revisão, Danilo Marcondes. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1999.
Nietzsche, Friedrich Wilhelm. Obras incompletas / Friedrich Nietzsche; seleção de textos de Gerard Lebrun; tradução e notas de Rubens Rodrigues Torres Filho; posfácio de Antônio Cândido. – 5. ed. – São Paulo: Nova Cultural, 1991. – (Os Pensadores)

sexta-feira, 13 de junho de 2008

As Aventuras de Philos & Sophos

Era mito para cá, mito para lá. Era mito para todo lado e para todos os gostos. Até que um dia, graças aos deuses, surgiram alguns homens que não acreditavam nos deuses. Eles começaram a duvidar das explicações dadas pelos mitos. E para provar que estavam certos, quatro destes corajosos homens resolveram enfrentá-los. Subiram então no mais alto monte de Atenas, o monte Olimpo, e de lá do alto, o local mais próximo da morada dos "poderosos" iniciaram seu desafio ao deuses. Um deles mais atirado e audacioso colocou-se num ponto um pouco mais alto e afastado dos amigos, e partiu para um ataque mais ousado, começou a gritar mais forte e alto, terríveis impropérios aos deuses.

Infelizmente nossos valentes amigos não haviam escolhido um bom dia para realizar o seu teste de coragem e prova da verdade, pois, apesar de quando iniciaram a subida ao monte, o dia estivesse limpo e claro, pouco tempo depois muitas nuvens escuras formaram-se rapidamente sobre o monte. E no exato momento que o nosso corajoso amigo gritava os maiores insultos, um raio o atinge em cheio. Os outros três amigos ao presenciarem tão assustadora cena caem em desabalada correria, debaixo de uma forte chuva que imediatamente começou a cair. Ao alcançarem o pé da montanha, um pouco mais refeitos do susto e do cansaço seguem tristes e silenciosos para suas casas.

No outro dia, pela manhã, bem cedo, os três voltam a se reunir, e decidem que apesar de toda a "fúria" dos deuses, os mesmos teriam que enfrentar o medo, pois, precisam resgatar o corpo do amigo que ficou para trás, para que assim, lhe seja dado o merecido funeral. Agora com este "nobre pensamento" enfrentaram a terrível subida, e desta vez, o que se ouvia de suas bocas eram lamentações e mil pedidos de perdão aos poderosos deuses. O dia estava maravilhoso, com um céu azul nunca visto antes, o que contrastava com a tristeza dos amigos sobreviventes, parecia que os deuses queriam transmitir com isto uma mensagem aos três, que neste instante observavam o corpo inerte do amigo caído na lama; - Vejam criaturas desprezíveis. Quem são vocês para nos enfrentar? Vejam o que acontece aos que nos enfrentam. Limpamos a terra desta sujeira insolente! Agora tudo está mais limpo e belo. Em silêncio os tres amigos apanharam o corpo do amigo e desceram para entregá-lo aos seus familiares.

Algum tempo após aquela terrível experiência, Sophos, um dos amigos, ensaia uma reaproximação, apesar da insistência de Sensuscomuns em não querer mais tocar no assunto e também afirmar, sem nenhum constrangimente que, sequer desejaria retornar a ver a cara dos dois amigos malucos novamente. Sophos, graças a sua sincera e boa argumentação, consegue reuni-los novamente. Mas, com a promessa que jamais tocariam no assunto. O que foi feito no primeiro encontro. No entanto, graças à determinação de Sophos, que além de bom argumentador era também muito sábio, convenceu Philos a rediscutir o ocorrido. Sophos afirmou que o amigo Cienthos havia morrido de causa acidental, e que o relâmpago é uma manifestação normal em dia de chuva. E para isto desafiou os amigos para um novo teste da verdade. Eles retornariam ao monte, e seus amigos não precisariam participar do enfrentamento, teriam simplesmente a função de meros espectadores e testemunhas do feito. A resistência foi grande por parte dos amigos, mas por fim acabaram aceitando, já que ficariam de longe, só olhando.

Sophos escolheu um belo dia de verão, claro e ensolarado. Os amigos Philos e Sensuscomuns tremiam de medo durante a subida. Ao se aproximearem do topo, Sensuscomuns desistiu e resolveu ficar um pouco abaixo dos amigos onde pudesse presenciar um pouco do desafio. Philos e Sophos insitiram, mas, acabaram por compreender o temor do amigo e assim continuaram seu caminho até o topo. Ao alcançar seu objetivo, Sophos não perdeu tempo e iniciou seu desafio imediatamente. Todo o tipo de desafios e injurias foram lançados aos céus por Sophos e nada aconteceu, ele permanecia ali vivinho da silva, todo alegre. No entanto Philos não se deu por satisfeito e desafio Sophos; - Os deuses hoje devem estar distraídos ou muito ocupados em algum banquete para prestar atenção a um simples mortal, como você Sophos! Ao que ele respondeu de pronto; - Não repararam a mim, mas a Cienthos sim, qual a diferença? Acredito que não haja diferenças ou mesmo preferências entre nós. Acredito sim, que isto tudo seja uma fantasia para enganar e prender o homem as trevas da ignorância. Assim como Cienthos, também sou um simples mortal. Também terei meu dia, mas não nas mãos de uma fantasia tola, cujo único mal que podem causar é assustar crianças e homens presos a uma fé sem provas. Philos, mesmo com as palavras e a demonstração de coragem de Sophos não se sentiu seguro. Sophos repetiu o desafio mais três vezes para o agrado e para convencer de vez o amigo, e na presença do amigo Philos, Sophos vaticinou: - Amigo, aqui com os seu testemunho, e sob os últimos raios de Sol deste dia que já se vai, todos saberão que um dia, aqui no alto deste monte, que ainda é, mas um dia não será mais, símbolo da credulidade tola deste povo em coisas que não existem e que os prendem a ignorância. Eu afirmo; a busca da verdade terá o nome de Philosofia, pois é a junção dos nomes daqueles que um dia desafiaram o medo e a escuridão da ignorância para provar que os homens conscientes são aqueles que buscam a verdade obtida com o maior dom do homem, a Razão. E ao nosso amigo Cienthos que tombou, dando a vida para provar a sua certeza, daremos a este esforço na busca do conhecimento, o nome de Ciência, e o seu exemplo será seguido por aqueles obstinados homens que nunca descasarão dando o suor de seus rostos em busca desta nobre causa; o conhecimento.

Ao ouvir estas palavras, o quarto amigo que até então estava quieto e se aproximava, afirmou; - Eu já sabia que estes deuses não passavam de conversa fiada! Philos rebate: - Por que então não fez nenhum teste, nenhum desafio? O quarto amigo: - Não sinto necessidade de perder meu tempo com estas bobagens! Philos dispara: Como fazes então? O quarto amigo: - Sigo minha intuição. Sophos interveio: - Amigos, vamos deixar como esta, por enquanto, pois já é tarde e não é seguro que descemos sem a proteção da luz do Sol. E declarou ainda: - “Philos” e “SensusComuns”, as asas da sabedoria acabam de ser abertas, um novo mundo nos espera para que o descubramos, assim proponho que deixemos esta discussão para uma outra hora e tratemos alçar nosso voo de descida para este novo mundo que agora se mostra verdadeiramente.

Assim a Filosofia desde aquela época segue seu caminho em busca da verdade; questionando, duvidando e sempre desconfiada daquelas verdades que já vêem prontas e bem embaladas, ao lado da amiga Ciência, que gosta de experimentar, testar e comprovar. Isto não quer dizer que por vezes tenham suas discordâncias, como acontece todo bom amigo de verdade. Ah! Não podemos nos esquecer do amigo Sensus Comuns que sempre junto dos dois dando seus sábios “pitacos” e servindo muitas vezes de inspiração aos amigos.