terça-feira, 17 de junho de 2008

A Questão da Verdade

De acordo com o dicionário Filosófico de Danilo Marcondes e Hilton Japiassu; a verdade trata-se apenas da adequação do intelecto ao real e então podemos afirmar que a verdade é uma propriedade dos juízos e estes podem ser verdadeiros ou falsos e dependendo da correspondência entre os que afirmam ou negam e a realidade de que falam, ou ainda pode ser o que diz o consenso entre os indivíduos.
E ainda com o dicionário de Filosofia de Nicola Abbagno, podemos ter 5 conceitos de verdade. Verdade como correspondência, como revelação, como conformidade, como coerência e utilidade.
Na obra de Nietsche, “Para além de Bem e Mal”, ele faz uma crítica a modernidade. O autor coloca em cheque as verdades objetivas, ou seja, na crença da razão pura e bem em si. Derrubando as frágeis bases de idéias supostamente inabaláveis. Para isto ele afirma que todo conhecimento se faz a partir de uma perspectiva e completa que este perspectivismo seja unicamente resultado de interpretações. O objetivo de Nietsche é combater o dogmatismo, no entanto isto não o faz um cético, apesar de o cético ser mais autêntico, para ele o cético é um aliado, mas não uma posição que se deva tomar, pois o mesmo é o outro lado da moeda do dogmatismo, enquanto o dogmático jamais alcança a verdade. O cético não critica o valor de verdade. O cético agarra-se a ela como valor.
Para Nietsche a verdade é produto de afecções morais pelas condições pessoais humanas, demasiado humanas. Só teremos a verdade se a força da sensibilidade for neutralizada das inclinações, impulsos, afetos, etc., ou seja, colocá-la sob o mais rigoroso controle do intelecto. Isto é uma forte crítica a Kant, pois o mesmo não faz referência à condição humana da sensibilidade, que na verdade não é pura, e sim carregada de valores humanos de acordo com Nietzsche.
Para Nietsche o pior erro que poderia ter acontecido foi à invenção por parte de Platão do bem-em-si e do espírito puro, pois com isto foi perdido tempo na busca de algo que não existe – a objetividade e deixamos de buscar o que há de mais belo: a subjetividade humana. É belo porque é aberto, e não fechado como a objetividade. Por isto mesmo, ele a compara com uma mulher. Desejada pelos homens, enigmática e símbolo da dissimulação, e para possuí-la é necessário todo um jogo de sedução. E mesmo após a sua rendição, o homem jamais poderá afirmar a objetividade da mesma. Pois para isto seria necessária a inversão de papéis, o que é impossível, assim a verdade é uma condição moral e completamente resultante da nossa subjetividade.
Isto é uma dura crítica a moral Kantiana e também ao cristianismo. Pois para ele tudo não passaria de uma submissão a vontade da verdade, ou um desejo da vontade da verdade, ou melhor, poderíamos desejar a verdade, mas jamais alcançá-la.
Nietzsche põe em situação embaraçosa a lógica tradicional ao colocar a condição moral ao valor de verdade, ou seja, perguntando qual seria o valor da vontade de verdade, ou melhor, ele com isto resgata o verdadeiro condicionador do valor de verdade. O resultado desta seria condicionado pela condição moral. A equação cai desta forma de seu pedestal e os olhos se voltariam unicamente para o sujeito, com sua subjetividade e condição moral como os verdadeiros condicionadores do resultado da equação, ou melhor, do valor de verdade. Neste sentido, Nietzsche assemelha-se a Sócrates, retornando ao homem os olhos para o entendimento do mundo. Para Nietzsche nunca houve a verdade, e sim a vontade de verdade. E após ele o que temos agora é a nossa subjetividade condicionada pela nossa moral determinando uma verdade, e não a verdade. Não haveria verdade universal, mas unicamente verdades particulares. Desta forma Nietzsche parece querer resgatar a subjetividade sofistica, pois suas afirmações fazem lembrar uma frase famosa de Protágoras; “O homem é a medida de todas as coisas.” Com isto então não teríamos que buscar a verdade fora de nós mesmos, a verdade seria unicamente e exclusivamente um produto humano. o homem seria o seu grande criador. Colocar a verdade em alto grau de subjetividade é temerário, pois abre margem a afirmações altamente questionáveis, ou até pueris, como por exemplo; poderíamos afirmar que até mesmo somos a razão de nós mesmos, e outras. O mundo seria algo inalcançável pela razão humana. Estaríamos sempre em desvantagem na luta contra o mundo. Este seria sempre o nosso maior inimigo. Algo que não se mostraria e que jamais descobríamos seus verdadeiros segredos. A nossa felicidade estaria nas aparências da superfície que o mundo, por piedade, no pouco que este permitisse que nos fosse revelado. Nietzsche, então, crê na verdade então como revelação. Não numa revelação transcendente, mas interna ao homem, numa revelação cognoscente, meramente intuitiva, se isto é possível, que surge e acaba com o homem. Teríamos então as melhores respostas no campo psicológico e não no Filosófico, seria a exaltação da psicologia, a sua redenção afinal, a libertação total da psicologia da filosofia. A partir disto a psicologia pode até ter um lugar de predileção ao tomar o lugar que sempre fora da Filosofia.
A verdade não é ilusória, pois assim seriam também todo o conhecimento humano, e com ela também a própria Filosofia. Os nossos sentidos básicos dão-nos a percepção e a nossa razão o conhecimento e o entendimento do mundo, pelo menos, o mínimo necessário para que não tropecemos, e não entremos em contradição. Aquela pedra é uma pedra, é algo que meu intelecto aceita como pedra, e é universalmente aceita como pedra. Não importa que um gênio maligno* faça-nos acreditar, mesmo não sendo. A verdade é ainda concordância em nosso melhor mundo possível**. Não andamos tateando ou em eternas tentativas. Ainda que a ciência faça experiências, a prova mais forte e contundente desta realidade e a própria garantia de manutenção da existência. A evidência verdadeira da perda da existência é garantia da verdade útil do cuidado. Cuidado que podemos traduzir também por verdade. Mesmo que não exista uma concordância plena entre o sujeito e o mundo; pois a própria revelação da delimitação ontológica e ôntica nos permite afirmar algo de verdadeiro. Existe algo, e mesmo que não seja de grau absoluto, tem seu valor de verdade inegável. E ainda que fosse refutada esta verdade, teríamos a mentira que não poderia ser negada, em razão de esta tornar-se verdade, ou seja teríamos a verdade do valor de verdade. O valor falso deve ser necessariamente verdadeiro em sua falsidade. Pois do contrario teríamos um valor falso que é falso em sua essência, e que desta forma tornar-se-ia verdadeiro.
Mas voltando a crença exacerbada no dogmatismo da subjetividade humana de Nietzsche, acredito que poderíamos determinar um índice de verdade evolutivo. Seres contingentes teriam índices de percepção da verdade de acordo com seu grau de evolução. Com isto também poderíamos contrabalancear entre a objetividade do mundo e a nossa subjetividade determinando também índices a nossas verdades; como por exemplo: o nosso conhecimento sobre a órbita dos planetas poderia receber um grau quatro, numa escala de um a cinco, pois a verdade que temos desse conhecimento nos permitiu até o lançamento de naves a estes astros com precisão quase absoluta. E ainda poderíamos dar um grau 2 de verdade ao conhecimento que temos sobre o magnetismo e a gravidade, pois até agora o conhecimento que temos sobre estas forças é mínimo, conhecemos praticamente só sobre os seus efeitos e nada sobre como surgem e de que são feitos. Estas verdades não teriam o seu valor de verdade alterado unicamente por receberem um grau de valor, teriam unicamente uma pontuação objetiva em um determinado grau de evolução sobre aquela verdade dada por nossa subjetividade naquele dado momento de nosso estágio evolutivo.
Então acrescentaria a lista de conceitos de verdade; a verdade como evolução. O homem se aproximaria da verdade a partir do momento que este realmente fosse evoluído, ou pelos menos começasse a se preocupar em realmente evoluir. Buscando uma evolução ontológica, ou seja, autêntica e de mãos dadas com a Filosofia.

*Descartes,René. O Discurso do Método.


Referências:
Reale, Giovanni. História da Filosofia: Do Romantismo até nossos dias/ Giovanni Reale, Dario Antiseri; - São Paulo: 1991, - (Coleção Filosofia) – v.3.Do Romantismo até nossos dias.

Mosé, Viviane. Nietzsche e a grande política da linguagem / Viviane Mosé. – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.

Nietzsche, Friendrich Wilhelm. Acerca da verdade e da mentira; O Anticristo / Nietzsche; (tradução Heloisa da Graça Burati). – São Paulo: Rideel, 2005. – (Biblioteca Clássica).

Café Philo: as grandes indagações da filosofia / (editado por) Lê Nouvel Observateur; tradução, Procópio Abreu; revisão, Danilo Marcondes. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1999.
Nietzsche, Friedrich Wilhelm. Obras incompletas / Friedrich Nietzsche; seleção de textos de Gerard Lebrun; tradução e notas de Rubens Rodrigues Torres Filho; posfácio de Antônio Cândido. – 5. ed. – São Paulo: Nova Cultural, 1991. – (Os Pensadores)

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