terça-feira, 17 de junho de 2008

O Problema da Corrupção

O problema da corrupção
Referência: Baudrillard e outros

Gerson Pereira de Araújo Sobrinho*


Resumo

O texto mostra as implicações Filosóficas do problema da corrupção e do mal na compreensão do homem social e, tenta mostrar, ainda, que o caráter da corrupção é bem mais complexo do que parece, quando visto ao simples olhar do senso comum.



De acordo com o dicionário Aurélio; corrupção ou corrução é o ato de corromper decomposição, putrefação ou devassidão, depravação, perversão, ou ainda; suborno ou peita.
Nicola Abbagno em seu dicionário de Filosofia comenta Aristóteles e afirma que a mesma constitui, juntamente com o seu oposto, a geração, a atualidade de uma das quatro espécies de movimento, mais especialmente, do movimento substancial, em virtude do qual a substância se gera ou se destrói. “A corrupção”, diz Aristóteles, “é uma mudança que vai de algo ao não-ser desse algo; é absoluta quando vai da substância ao não-ser da substância, especifica quando vai para a especificação oposta”. (Fís., V, 225 a 17).
E ainda, no dicionário de política de Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino, editado pela editora da UNB, apresenta o termo corrupção que designa o fenômeno pelo qual um funcionário público é levado a agir de modo diverso dos padrões normativos do sistema, favorecendo interesses particulares em troco de recompensa. Corrupção é, portanto, o comportamento ilegal de quem desempenha um papel na estrutura estadual.
De acordo, ainda, com este dicionário, podemos distinguir três tipos de corrupção: a prática da peita ou uso da recompensa escondida para mudar a seu favor o sentir de um funcionário público; o nepotismo ou a concessão de empregos ou contratos públicos baseados, não no mérito, mas nas relações de parentela; o peculato por desvio ou apropriação e destinação de fundos públicos ao uso privado.
Segundo Norberto Bobbio (1992):
“A corrupção é uma forma particular de exercer influência ilícita, ilegal e ilegítima. Amolda-se ao funcionamento de um sistema, em particular ao modo como se tomam as decisões. A primeira consideração diz respeito ao âmbito da institucionalização, tanto maiores serão as possibilidades do comportamento corrupto. Por isso, a ampliação do setor público em relação ao privado provoca o aumento das possibilidades de corrupção. Mas não é só a amplitude do setor público que influi nessas possibilidades; também, o ritmo com que ele se expande. Em ambientes estavelmente institucionalizados o comportamento corrupto tende a ser menos freqüente. No entanto a corrupção não está ligada apenas ao grau de institucionalização, à amplitude do setor público e ao ritmo das mudanças sociais; está também relacionada com a cultura das elites e das massas. Depende da percepção que tende a variar no tempo e no espaço.” (Norberto bobbio, 1992).
Complementando o pensamento de Bobbio, Baudrillard (1997) afirma:
“Não terminaríamos nunca de procurar as raízes da corrupção. Insondável, esta é sem dúvida consubstancial ao funcionamento social. Mas ao menos a luta anticorrupção evoca o seu espectro e oferece-nos o espetáculo. Ora, o espetáculo da corrupção é uma função vital da democracia: função de divertimento, função pedagógica, função catártica. Mas não desperta amargura profunda, ou então a revolta se faria ouvir em permanência. A corrupção não desperta, no fundo, indignação coletiva (mas claro é cuidadosamente filtrada pela mídia), nem essa verdadeira ajuda à corrupção constituída pela lei de anistia em esboço (reflexo dessa que generosamente se concederam os deputados); essa verdadeira infâmia não provoca o protesto esperado da opinião publica democrática”.
A corrupção como desvio de comportamento na esfera política deve ser condenada em todos os seus aspectos. E a sua análise merecedora de toda nossa atenção. Onde estaria a origem desse comportamento? – É natural ao homem, ou surge com a sociedade? – O viciado em drogas, por exemplo, corrompe a sua consciência ao utilizar substâncias que alteram a sua percepção da realidade. E o homem que utiliza de medicamentos para o aumento de potencia sexual, não estaria corrompendo o seu estado biológico natural? E a mulher que se utiliza de pinturas e maquiagens não estaria corrompendo a beleza natural? Não seriam semelhantes ao atleta que se utiliza de drogas para melhorar seu desempenho, não estariam sendo, também, todos corruptos?
Seriam todos os homens, de algum modo, insatisfeitos física e espiritualmente? Desta forma a corrupção surgiria como compensação das suas fraquezas que os colocariam acima de seus pares? No caso das drogas que afetam a mente, como conseqüência, os seus usuários não ficariam numa condição superior nem inferior ao de outras pessoas, mas, em um estado limítrofe, ou seja, colocar-se-iam fora deste contexto em que não seriam atores, nem espectadores de uma realidade externa, mas interna. Mesmo que para isto tenham que pagar um preço alto por seus desejos de fuga. Ironicamente, o seu processo de destruição alimentaria outro corrupto e, talvez, um dos piores; o traficante de drogas.
Estranho como a destruição de um pode gerar a construção de outro. A corrupção mental de um gera a corrupção material de outro. Ou teríamos um único caso de corrupção, que se estenderia desde o plantio até as mãos do viciado. Todos seriam corruptos.
Hobbes (1651) afirma que os homens são naturalmente maus, e que necessitam de um controle para que não destruam uns aos outros. A proteção e segurança dada pelo Estado é que asseguraria a existência aos homens, e daria fim a todas possíveis ameaças a integridade destes.
Ainda com relação ao pensamento de Hobbes (1651), atualmente, o Estado não estaria cumprindo a sua parte do contrato ao permitir tão impunemente tantas ocorrências de corrupção, e que a existência do súdito seja ameaçada? Ou seriam estes fatos nada mais que a natureza má do homem se manifestando em todas as suas esferas, e que não fora ainda devidamente controlada? Ou então, não seria o soberano a dar o exemplo, e assim transmitir segurança aos seus “súditos”. A estabilidade do Estado não poderia ser ameaçada com a perda desta credibilidade? Não pareceria ao homem do povo que este estivesse trabalhando para o enriquecimento de ladrões. Baudriallard afirma que estes fatos não passariam de atos no grande circo do Estado, e que o povo não faria mais do que se divertir com tais acontecimentos.
Rousseau (1774), ao contrário de Hobbes, afirma que o homem é naturalmente bom e a sociedade é o que o corrompe. Isto significaria que homens bons jamais poderiam se juntar, pois assim tornar-se-iam maus. A questão aqui levantada não seria a sociedade formada por homens? E não seria a corrupção da sociedade um reflexo do mal que se esconde na alma do homem? Ou esse organismo, criado pelos homens, chamado sociedade, teria corpo e mente e, essa em sua “maldade natural” seria capaz de corromper os homens, levando-os a agir egoisticamente em detrimento de outros. A culpa estaria nesse “monstro vivo – a sociedade”, que então deveria ser tratada, ou até mesmo eliminada para que não contaminasse com a doença da maldade os “homens bons”. Ou será que a maldade seria externa aos homens, e sua origem distante no tempo? A “maçã” poderia ser a grande culpada, ou ainda, poderia ser a serpente que teria enganado a mulher e esta por sua vez, teria convencido o homem a praticar ato prazeroso, mas ilícito, de degustar da fruta do conhecimento? Com esse ato, homem e mulher teriam sido “premiados” ou “amaldiçoados” com a consciência plena de suas existências? Condenados ou não, por este ato, o que importa é que o resultado desse ato foi que, não só o conhecimento do bem e do mal foi impregnado em suas almas, mas o próprio bem e mal foram incorporados as suas almas. Pois, diferentemente da consciência de elementos que podem ser conhecidos empiricamente, como por exemplo: frio e calor, que se apresentam onticamente e podem assim serem resgatados por nossas sensações, os elementos da pura sensibilidade, pois, assim como os nossos sentimentos, as nossas perfeições e imperfeições que acreditamos serem externos a nós estejam incorporadas em nossas almas, pois, só assim há possibilidade de realmente serem compreendidos.
O primeiro ato de corrupção que temos notícia é o que está registrado no livro sagrado judaico-cristão, ao que sabemos foi livre e consciente. Nunca houve inocência, nem mesmo no paraíso. Pois só assim admitir-se-ia a legitimidade da culpa e da punição como conseqüência daquele ato. Pois como não temos consciência plena, necessitaremos sempre do não ser para compreendermos o ser. Necessitamos do silêncio para compreendermos o som; do frio para compreendemos o calor, e do mal para compreendermos o bem. E no caso de elementos do puro entendimento não digo que necessitamos destes como algo distante e meramente um objeto puramente cognoscente, mas como algo real e presente. É necessário que ele seja parte integrante de nosso ser, assim como é o bem.
A corrupção está presente no ente e no ser do homem, ou melhor, a corrupção é parte integrante da existência do homem. A corrupção é elemento constitutivo do “tanathus” e, com o “Eros” equilibrariam e dariam sentido a existência. Seria totalmente incompreensível um mundo que só houvesse a construção. A vida e a existência só podem ser compreendidas com a presença “amiga” dos seus antagônicos. A corrupção em sentido material é mudança, transformação ou alteração. O social também parece seguir o mesmo destino. A matéria transforma-se pelo “calor” de forças externas ou internas. Na matéria social também surgem forças que tendem a destruí-la, ou transformá-la.


Aristóteles afirma que os seres são em potencial em sua condição física. Contudo, afirmo existir também uma condição potencial cognoscente e espiritual, e para isto, o homem deve já ser possuidor, desde o seu surgimento, de todos os elementos para que o mesmo possa se realizar em ato. Elementos de construção e desconstrução, pois sem esses, não seria possível qualquer transformação na sociedade.
Assim, a corrupção na esfera política mostra de certa forma, desequilíbrio de ordem natural e, representa um sintoma de uma sociedade concentrada e que acaba por criar elementos “instáveis e desaglutinadores” que acabarão por transformá-la em período de tempo determinado pela quantidade desses elementos disseminados na sociedade.



* Graduando em Filosofia, Instituto de Ensino Superior do Centro Oeste – IESCO.


Referências:

Baudrillard, Jean. Tela Total: Mitos-ironias da era do virtual e da imagem/ Jean Baudrillard; tradução de Juremir Machado da Silva. – Porto Alegre: Sulina, 1997.


Hobbes, Thomas. Leviatã: ou a matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e civil. / Thomas Hobbes; tradução de Alex Marins. – São Paulo. SP: ed. Martin Claret, 2003.


Rousseau, Jean Jacques, 1712-1778. Do contrato social; tradução de Lourdes Santos Machado; - 5 ed. – São Paulo – SP: Nova Cultural, 1991. – (Os pensadores; 6)


Bobbio, Norberto, 1909-. Dicionário de política / Norberto Bobbio, Nicola Mateucci e Gianfranco Pasquino; tradução de João Ferreira. 4 ed./ Brasília, DF: Editora Universidade de Brasília, 1992.


Abbagnano, Nicola, 1901-. Dicionário de Filosofia/ Nicola Abbagnano; tradução de Alfredo Bosi. – 2 ed. – São Paulo, SP: Martins Fontes, 1998.

Ferreira, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa. – Rio de Janeiro, RJ: Editora Nova Fronteira S/A, 1983.

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